Generalização Indevida

Criado: Domingo, 10 Janeiro 2016 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Só recentemente este blog passou a receber comentários [os anteriores a agosto de 2017 foram perdidos num ataque hacker] e aprendi direito o procedimento para libera-los. Nessa ocasião vi um comentário de uma mulher, datado de 08/03/2015, me pedindo para fazer sexo oral nela porque fantasiava em transar com um homem cujo desempenho sexual se reduzisse à ponta da língua, me confundindo com um paraplégico. O comentário foi feito antes de eu começar a escrever sobre meu atual relacionamento, mas o post comentado não tinha indicação alguma de que eu atendia aos requisitos de sua fantasia. Tive vontade de dar uma resposta desaforada e mesmo de xinga-la, mas nada disse porque já havia se passado mais de oito meses – mas se respondesse, teria me limitado a indicar a página sobre sexualidade do meu site, cujo objetivo é combater a generalização dos problemas da lesão medular para a paralisia cerebral.

Tal generalização indevida é um aspecto obscuro do imaginário social brasileiro que só deve ser conhecido por quem tem PC – não sei se as pessoas com outras deficiências físicas diferentes da lesão medular também a sofrem nem se ocorre em outros países. Quando começam a nos perguntar se temos dificuldade de ereção, sensibilidade na região genital e coisas semelhantes, ficamos atônitos, sem entender nada, porque as questões relativas à sexualidade que enfrentamos são muito diferentes. Depois que compreendemos que estão nos confundindo com tetra e paraplégicos, passamos a nos incomodar, irritar e até enraivecer com essa generalização.

Apesar do termo “paralitico” – que abrangia lesão medular, paralisia cerebral e poliomielite – praticamente haver caído em desuso, acho que continua a fazer parte do imaginário social brasileiro e, como as pessoas com lesão medular são a grande maioria das abrangidas por essa categoria antiga, as especificidades das outras são ignoradas. Além disso, ”paralisia cerebral” é uma expressão enganosa por dar a impressão de imobilidade, uma característica da lesão medular, não da PC, cujo principal traço é a descoordenação motora e, em muitos casos, existe até um excesso de movimentos; há alguns anos, os médicos a renomearam como “encefalopatia crônica não-progressiva”, mas esta segunda expressão não será difundida entre os leigos. Não sei em que medida essas minhas considerações explicam realmente tal generalização, que dificilmente atrairá a atenção de um antropólogo ou psicólogo social.

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Um Ano de Relacionamento

Criado: Quinta, 07 Janeiro 2016 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Era para ter acontecido no Natal de 2014, mas me assustei com os possíveis problemas, riscos e confusões do que estava me metendo, parei para refletir, fiquei distante, o que a fez me enviar um e-mail frio, pensei que ela havia desistido de mim e passei a trata-la com igual frieza – demorou doze dias para esse mal entendido ser resolvido. O que me fez prosseguir foi perceber que ela estava profundamente infeliz e, de algum modo, eu a fazia bem, se alegrar. Hoje faz um ano que nosso relacionamento começou. Agradeço à vida por ter me dado uma mulher linda, maravilhosa e encantadora como Silvia Regina.

Conselho a uma Mãe

Criado: Terça, 05 Janeiro 2016 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Fui citado numa discussão de um grupo do Facebook, iniciada por uma mãe aflita e perdida porque a filha de 20 anos com paralisia cerebral tem falado em namorar, casar, ter uma companhia, e que está se entristecendo com as dificuldades para tanto. Minha resposta (editada) a essa mãe foi a seguinte:

“Me parece que a primeira coisa que você tem de fazer é ver que sua filha não é mais uma menina, e sim uma mulher adulta, com sexualidade, desejos, etc. Se ela conseguirá ter relacionamentos vai depender de múltiplos fatores e só o tempo dirá. Mas como adulta, ela tem de aprender a lidar com as tristezas, frustrações, etc, desse processo e, se você tentar poupá-la disso, vai piorar situação dela. No caso improvável de ter sucesso (provisório), ela se tornará uma pessoa incapaz de viver e possivelmente sofrerá mais. Um psicólogo pode ajudar. Minha história é bem peculiar, dificilmente pode ser generalizada e, se quiser conhecê-la, vá meu blog – também recomendo o texto sobre sexualidade do meu site.”

No Papel de Marido

Criado: Quinta, 31 Dezembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Era uma grande incógnita como eu seria como marido, já que minha vida amorosa foi muito fragmentária, muito mais virtual do que pessoal. Me ressentia não só de inexperiência, mas também de ter uma experiência muito especifica que não me ajudaria na convivência concreta com uma mulher. Penso que estou me saindo muito melhor do que eu mesmo esperava e minha esposa está bem satisfeita – ou pelo menos ela me faz mais elogios do que queixas. Acho que aprendi com a experiência e os erros dos outros e me ajudou muito ter bem mais amizade com mulheres que com homens.

Por mais que quisesse ter um relacionamento completamente não-virtual com uma mulher, parece que acreditava muito pouco que isso viesse a acontecer, pois, quando ocorreu, demorou meses para “cair a ficha”: me soou estranho ouvir a chefe dela nos tratar como marido e esposa na recepção de um bar e uma montadora de móveis sair do nosso apartamento dizendo “tchau, seu Ronaldo”, um tratamento que passei a vida vendo ser dispensado a meu pai – demorei um segundo para perceber que esta falava comigo, já que não estava acostumado a ser autoridade numa família. Era uma “normalidade” estranha, surreal para mim.

A Decisão mais Difícil

Criado: Terça, 29 Dezembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Inicialmente, minha esposa e eu planejávamos morar em Recife, em janeiro de 2016, num apartamento que estava à venda no prédio onde residia com minha família. Parece que ficar na minha zona de conforto me deixa desconfortável, sempre quis morar num lugar mais desenvolvido, mais organizado e mais “europeu”, e como disse noutro post constatei que ela é a mulher dos meus sonhos – por esses motivos, a ideia de morar com ela em Curitiba me deu a sensação de ter encontrado meu destino, embora ainda em janeiro de 2016. Ela tem uma imensa dificuldade de viver sozinha e me propôs vir já em julho. Num impulso aceitei tal antecipação, só para, em seguida, passar duas semanas extremamente assustado, em pânico com o que havia decidido, a um milímetro de recuar.

O medo era tão grande que não conseguia expressar sua origem, só enxergando os problemas operacionais dessa decisão, que afinal formos resolvendo. O que estava subjacente a esse enorme medo era que ia deixar tudo que tinha em Recife para viver numa cidade em que não conhecia ninguém, com uma mulher que havia acabado de conhecer, com quem brigaria, sendo fisicamente dependente, sem trabalho, com renda baixa, etc. Para exemplificar a precariedade da situação na qual me colocaria, se uma fatalidade a acontecesse ficaria sem ter como me haver e levaria dias para minha família me socorrer.

Tomamos tal decisão em abril. Naquele mês, quase não pude ir à comemoração do aniversário da minha mãe porque esta e meu pai já não podiam descer escada comigo, minha irmã mais velha só o fez uma vez na vida, a do meio está cheia de problemas ortopédicos e musculares, e meu irmão foi para a casa da namorada e já poderia ter passado num concurso público noutro estado. Aí vi que correria riscos mesmo se ficasse quieto em Recife, que cresceriam no futuro próximo – de fato, basta estar vivo para se correr riscos. Então, saí do pânico para começar a resolver os problemas de vir morar em Curitiba, embora o medo permanecesse, menor, por muito tempo.

Foi a decisão mais assustadora, a mais difícil da minha vida e acho que o único motivo para não tê-la mudado, naquelas duas semanas, foi amar demais minha esposa.

Carregando o Tablet

Criado: Quinta, 17 Dezembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Em Recife, raramente ficava sozinho em casa, de modo que, se me acontecesse um acidente doméstico ou mal súbito, provavelmente haveria alguém para me socorrer e/ou avisar minha família; mesmo quando ficava só, com o tablet podia me comunicar com essa e uns poucos amigos. Quando vim para Curitiba, só podia contar com minha esposa, que saia para trabalhar, passei a ficar só com muito mais frequência e tornou-se essencial não deixar o tablet sem bateria, para poder me comunicar com ela – agora essa situação está atenuada; em Recife, no fim da tarde também era vital manter o tablet funcionando, pois ficava só com a irmã com deficiência e minha já idosa mãe e temia que algo ocorresse a esta – mas aí esta podia bota-lo para carregar. Em agosto, ao ver que a bateria acabava e estava sozinho em casa, descobri que consigo bota-lo para carregar colocando um lado do tablet sobre a coxa esquerda, segurando o outro lado com a direita e encaixando o cabo do carregador no tablet com a mão esquerda – a menos descoordenada – apoiada na primeira coxa; aqui, tem-se o hábito de se deixar os carregadores na tomada mas, mesmo se estiverem guardados, seria menos difícil coloca-los na tomada e, devido ao formato desta, sem risco de levar um choque.

Abordagem Canhestra num Show

Criado: Segunda, 07 Dezembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

No último sábado, minha esposa e eu formos ao show de Lulu Santos, já dentro do Teatro Guaíra fui abordado por um homem entusiasmado por eu estar lá e falando como se eu fosse uma criança. Comecei a responder usando minha prancha de comunicação numa tentativa de faze-lo compreender que não tenho déficit cognitivo, o que não deu muito certo. Aí sinalizei para minha esposa contar grosso modo nossa história e só então ele passou a me tratar como adulto – o mero fato de eu ter uma mulher linda já desmonta tudo que se imagina sobre pessoas com paralisia cerebral. Pouco depois, a namorada dele chegou, falou que tinha um irmão com PC e que este morreu no ano passado, o que me fez entender porquê ele havia me abordado daquela forma – o irmão desta devia ter algum déficit cognitivo.

O Teatro Guaíra é um péssimo lugar para pessoas com deficiência assistirem um show de música, ao menos dançante, pois se os outros se levantarem para dançar quem está na fila reservada a tais pessoas fica impedido de ver o espetáculo, exceto se também puder ficar de pé – eu posso, mas com dificuldade –, o que frequentemente não é o caso.

Cômico Espanto

Criado: Quarta, 25 Novembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Na semana passada, minha esposa levou a filha menor ao aniversário da melhor amiga desta e voltou rindo muito dos olhos arregalados, do leve recuo da cabeça e outros sinais de espanto que duas pessoas fizeram ao saberem que, em oito meses, ela se separou do primeiro marido, arranjou um namorado em Recife que tem paralisia cerebral severa, casou-se de novo e está grávida dele; esse espanto me fez brincar que deveriam pensar algo como “essa mulher devia estar num hospício”. Noutra ocasião, a vi fazendo tal relato a uma amiga por telefone, caí na gargalhada e disse “você acabou de passar um atestado de insanidade mental”.

Qualquer noção de “normalidade” no amor e em outros assuntos humanos induz a enganos e o que a maioria considera loucura pode fazer muito bem a uma pessoa. Para nós dois, o espanto que nossa história pode causar – nem sempre isso acontece – é engraçado.

365 dias

Criado: Domingo, 22 Novembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Há exatos 365 dias, estava com 50 anos, sem namorada desde 2008, convencido de que mais nada de muito diferente me aconteceria e que terminaria meus dias morando com um irmão. Por dez anos, a Internet havia me permitido ter namoradas, sobretudo através do meu site, mas essa janela de oportunidade acabou quando foi compartimentada em redes sociais e aplicativos de dispositivos móveis. A partir daí, dadas minhas limitações físicas – não consigo falar, preciso de outra pessoa para alimentação, banho, andar, etc –, passei a achar extremamente improvável que outra mulher se interessasse por mim e, se isso ocorresse, seria alguém que não me atrairia.

Em torno da virada do milênio, numa lista de discussão sobre deficiência fiz amizade com uma advogada de Curitiba, durante cerca de um ano conversamos pelo ICQ – o avô do WhatsApp –, suspeitava que tinha atração por mim, mas, como não consigo tomar a iniciativa com mulheres que não demonstrem um claro interesse por mim, não soube o que fazer. Pior, disse algumas coisas – como duvidar que fosse capaz de lidar com minhas limitações – que a fizeram pensar que não poderia me interessar por ela, se afastar, encontrar o homem que se tornou seu primeiro marido e concluí que aquela suspeita era infundada – ledo engano!

Após algumas experiências amorosas um tanto mal sucedidas, às vezes minha melhor amiga começava a conversar comigo sobre como seria a mulher que eu queria, que seria bonita, inteligente, culta, refinada, sofisticada mas sem frescura, com algo de doida mas essencialmente equilibrada, forte, resiliente, com muita vontade de sair e viajar ao exterior comigo. Achava aquele tipo de conversa tão ocioso que ficava irritado e logo mudava de assunto - ora, eu nunca, jamais teria uma mulher assim!

Então ela me adicionou no Facebook sem saber direito porquê, logo aquela atração voltou à tona, dessa vez de modo cristalino, não repeti o mesmo erro e, nos meses seguintes, percebi que tem tudo que queria numa mulher. Ao ver que encontrei a mulher com que sonhava num momento da minha vida em que nada mais esperava, a surpresa foi tão grande que fiquei até assustado – mas este foi só o primeiro de muitos sustos que tenho levado neste relacionamento. Nesses 365 dias nossas viraram de cabeça para baixo!

Um Problema Resolvido

Criado: Terça, 17 Novembro 2015 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Há anos, minha esposa tinha uma pessoa que cuida de suas filhas para ela poder sair à noite e decidimos que pagarei a esta para ficar algumas horas na nossa residência para dar meu banho e ajudar com as meninas, entre dezembro e janeiro, de modo a reduzir o esforço que ela faz nesta fase crítica da gravidez. Foi difícil convencê-la a aceitar tal solução, pois ganha doze vezes mais que eu e tende a querer resolver todos os problemas de todo mundo. Porém, ela já vem gastando mais que ganha e, nos últimos anos, fiz uma poupança para ser usada nos imprevistos e emergências da vida – finanças são um dos poucos assuntos em que sou conservador. Estava há três dias sem me banhar quando essa pessoa o fez pela primeira vez e disse a minha esposa “estou me sentindo um gambá”!

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