Um Filme Indiano

Criado: Domingo, 15 Outubro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Silvia adora o cinema indiano, o segundo do mundo em faturamento e o maior em número de filmes, e tiro muita onda de algumas características dele, como geralmente ter uma parte musical – fico dançando de modo afetado. Ontem, eu mesmo quis assistir “Margarita com Canudinho”, cuja protagonista é uma mulher com paralisia cerebral. Um dos elogios de Silvia – para mim duvidoso – a tal cinema é a ausência de cenas de sexo e este filme foi a primeira exceção que conhecemos, abordando a sexualidade de pessoas com PC e a homossexualidade feminina, dois temas difíceis, o que me fez brincar que fiquei “chocado” ao vê-los num indiano – numa época em que o obscurantismo avança no Brasil e em grandes partes do mundo, foi esperançoso ver que há países que podem estar na direção oposta.

Este filme reforçou a hipótese de Um Padrão no Primeiro Amor?: nos apaixonamos pela primeira pessoa que nos trata como seres humanos – isso acontece na Irlanda, México, Índia, Brasil, etc –, embora nem sempre seja o primeiro sentimento do tipo, já que parece ser frequente acontecer com um(a) colega de alguma instituição – clínica de reabilitação, faculdade, etc – que também tenha PC. Ao assistir a filmes com personagens com PC, na parte que aborda nossas dificuldades em ter relacionamentos amorosos – são realistas nesse aspecto, mostrando que a maioria não os consegue – tinha vontade de chorar, mas neste disse para mim mesmo “esta batalha tu venceste”. A mãe da protagonista morre, o que me fez ter refluxo porque é algo que ainda terei de viver, uma perspectiva que me angustia há décadas, e foi difícil demais deixar de cuidar da minha para me casar com Silvia.

Cadeira de Rodas

Criado: Domingo, 08 Outubro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Das limitações físicas que tenho, a que menos era aceita por minha mãe era não andar e precisar me locomover em casa engatinhando, me ”arrastando pelo chão como um animal” na sua expressão. Ela fez de tudo para eliminar tal limitações e chegou muito mais perto de consegui-lo do que se pode inferir dos meus atuais vídeos: diariamente, ela me levava para treinar andar no pátio do prédio onde morávamos em Recife e cheguei a puder andar uns 20m solto, sem ajuda, até que levei uma queda em que bati a cabeça no chão, tive convulsão (não relacionada à PC) e ela parou esse treinamento. Depois foi decidido – não lembro por quem nem em quanto tempo – comprar uma cadeira de rodas para mim e minha mãe ficou desolada, pois significava que seu maior desejo para o filho nunca seria realizado. Mas quase não usava as cadeiras que tive em Recife, pela escassa acessibilidade da cidade – que, embora lentamente, vem aumentando –, e acabavam enferrujando e se estragando, exceto a última. Ainda assim, aquela primeira cadeira me permitiu brincar o carnaval de 1988, uma das melhores e mais loucas experiências da minha vida.

A cadeira de rodas realmente passou a fazer parte do meu cotidiano só após vir morar em Curitiba e, então, voltei a ter o prazer de andar pelas ruas – o melhor modo de se conhecer uma cidade – com relativa liberdade e sem fazer um esforço extremamente cansativo para mim e quem anda comigo – a deambulação de alguém com PC consume energia demais, inclusive por forçar muito o sistema cardiorrespiratório. Quando vem nos visitar e me fotografa com Silvia e/ou Clara, minha melhor amiga sempre me fala para editar as fotos de forma a cortar a cadeira porque acha feio, mas sempre as publico com esta com certo orgulho pois, além de não ver problema estético algum, penso que não é muito incomum se ter uma esposa e uma filha lindas, exceto quando se tem uma deficiência e a cadeira de rodas simboliza isso.

Repetindo um truísmo entre as pessoas com deficiência mais reflexivas, a cadeira de rodas nos é algo positivo, não é uma prisão e sim um instrumento de liberdade.

Pioneiro em Paraquedismo

Criado: Sábado, 07 Outubro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Não soube quem seria o instrutor do meu terceiro salto de paraquedas até chegar ao aeródromo de Igarassu e me deparar com o do primeiro, que foi em João Pessoa, o que reduziu a tensão inerente a tal esporte, pois ele já me conhecia e fez um curso para saltar com pessoas com deficiência. Já sabia que o cinegrafista do primeiro tinha se emocionado com meu salto a ponto de chorar e esse instrutor disse que, ao ver aquilo, não conseguiu conter as próprias lágrimas, porque fui a primeira pessoa com algum tipo de paralisia a saltar na região. Não tive presença para perguntar qual era o âmbito geográfico dessa afirmação, mas sei que um homem com PC o fez em Salvador em torno do início do século. Assim, para o Nordeste acima da Bahia posso ter sido a primeira pessoa com PC a saltar.

Cantadas Femininas?

Criado: Quarta, 04 Outubro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Era de se esperar que pudesse ter ciúmes de Silvia – e tive umas poucas vezes –, mas é o inverso que ocorre. Para mim, seu ciúme é desconcertante, de difícil compreensão, às vezes até sem nexo e foi um problema sério no início do nosso relacionamento – hoje, é um motivo de riso.

No último sábado, fomos ao show dos Paralamas do Sucesso e, ao acabar de me aprontar, Silvia brincou que estava vestido como um gay. Após o fim do show, resolvemos tentar tirar fotos com a banda – depois desistimos disso porque estava demorando demais –, no trajeto para o camarim uma mulher me disse algo como “gostou do show, né? Dê um beijo nele (em Herbert Vianna)”, como só prestei atenção à segunda frase pensei “devo mesmo estar parecendo um gay” ou que esta imaginou que tenho déficit cognitivo, mas Silvia cismou que a figura estivesse se insinuando para mim, pela forma com que falou. Mesmo no dia seguinte achei que Silvia estava brincando de novo, mas falava a sério, teimei que não era uma insinuação até que atinei que estávamos num evento em que, por Herbert ter uma paraplegia, dificilmente alguém pensaria que um cadeirante tem tal déficit e o modo de se vestir tem pouca relação com a orientação sexual – ainda assim, reluto em crer que a figura estivesse “de olho” em mim.

Esse episódio me lembrou que, no início do nosso primeiro encontro, fomos a um bar dançante, pedi que meu irmão – um homem bonito – me levasse para urinar, ao atravessarmos a pista de dança uma mulher disse “que gato!”, nem levantei a cabeça para saber quem falou supondo que era com ele que, no banheiro, insistiu que foi comigo. Talvez o ciúme de Silvia não seja tão infundado quanto imagino.

Contradição de um ser humano: sou seguro o suficiente para ter pouco ciúme das mulheres com quem me relaciono, mesmo que sejam lindas e interessantes, mas tenho uma enorme dificuldade de acreditar que posso atrair o interesse de outras quando saio.

Um Possível Erro

Criado: Segunda, 02 Outubro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Em Resquício de Preconceito, critiquei que muita gente diga que pessoas com paralisia cerebral têm mais inteligência que a média. Na semana passada, troquei e-mails com um neurocientista canadense que viu meu site e este blog e ele disse que há uma correlação entre QI superior à média e PC com atetóide (movimentos involuntários) – tenho ambos, ao menos segundo os testes de inteligência que fiz no início da infância. Não dá para ter certeza que minha crítica estava errada, pois quem faz aquela afirmação nunca específica o tipo de PC a que se refere.

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Corpo

Criado: Sexta, 29 Setembro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Sempre soube que tenho um rosto bonito, apesar de uma enorme dificuldade de crer no que via no espelho. Porém, além de muito magro – detesto magreza –, meu corpo é cheio de assimetrias e deformações, o que me faz dar como certo que nenhuma mulher gostaria dele, embora não fosse totalmente desprovido de vaidade quanto a ele, pois ficava contente quando a musculatura de alguma parte se desenvolvia em decorrência de uma atividade física. Silvia é esteticamente exigente demais consigo mesma e, nos momentos em que isso vem à tona, às vezes pergunto o que acha do meu corpo, na esperança de atenuar tal exigência, portanto supondo que ele não a agrade. Silvia sempre responde que gosta dele e o compara ao de Mick Jager, o que me deixa cético, procurando qualquer sinal de que tal resposta seja para levantar minha autoestima, dada por educação ou algo parecido. Será que ela gosta mesmo do meu corpo? Para mim, essa hipótese é estranha, quase inconcebível.

Luva

Criado: Sexta, 29 Setembro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Noutro post, descrevi os problemas que embalar Clara causa à minha mão esquerda. Após voltarmos de Recife o aumento de seu peso agravou esses problemas, com as feridas e assadura na mão causando dores quase insuportáveis quando a embalava e, exceto nos momentos em que nossa diarista está, não tem outra pessoa que a faça dormir. A solução óbvia era usar luva. Silvia me emprestou uma de ginástica, que não resolveu porque não protegia a articulação mais externa dos dedos, onde exerço maior força e se fere mais – ao contrário, tal luva aumentou a pressão nesse local. A luva que serviu foi uma que comprei no último inverno e quase não tinha usado.

Dores de Embalar

Criado: Terça, 15 Agosto 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Para Clara, tenho uma importância bem menor que a de Silvia, o que é natural pois não a alimento, banho, visto, as carícias que posso fazer são limitadas pelo risco de machucá-la. etc. O único momento em que Clara às vezes quer mesmo a minha presença, até chorando, é o do sono. Faço questão de botá-la para dormir por essa causa, para ajudar Silvia e porque, nas noites em que a diarista o faz, parece ser mais frequente Clara acordar depois.

Esse trabalho tem alguns efeitos penosos. À época em que balançava seu primeiro berço com as pernas, distendi os músculos da virilha, que continuaram doendo três ou quatro meses após parar de fazê-lo. Embalá-la no carrinho me dá dores musculares nas pernas – dependendo da posição na qual fico – e nos dedos da mão esquerda, os quais há muito criaram calos que às vezes se abrem, tornando-se pequenas feridas. Uma dessas dores foi tão persistente que pensei que era uma lesão por esforço repetitivo. Numa noite em que uma confusão fez Clara demorar muito a dormir, minha mão ficou assada como consequência do suor causado pelo estresse e tive de continuar a embalar para não agravar a situação.

Déficit Cognitivo, Atitudes Duvidosas

Criado: Sábado, 23 Setembro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Possivelmente a maior questão existencial para quem tem paralisia cerebral e sua família é se há ou não déficit cognitivo – ou “deficiência intelectual”, na terminologia padrão – ou, caso negativo, como demonstrar que não existe. A suposição que tal déficit exista muitas vezes chega a níveis inacreditáveis. A psicóloga com quem fiz terapia trabalhou para uma escola inclusiva que tinha um aluno de dez anos com PC cuja mãe também era psicóloga e fazia trabalho voluntário para pessoas com deficiência, devido à experiência comigo ela se sentou na mesa dele e conseguiu se comunicar com o menino, mostrando que sua cognição não foi afetada, o que gerou uma forte comoção na mãe e no pessoal do colégio. Tive uma namorada virtual que estudava Psicologia que fazia um estágio numa clínica de reabilitação, a qual tinha um paciente com PC de 17 anos que ainda usava fraldas, pois sua família pensava que não aprenderia a controlar os esfíncteres, o que essa namorada ensinou em pouco tempo após perceber que o intelecto deste era normal.

Atribuir um déficit cognitivo imaginário pode ser um modo de denegrir a imagem de alguém com PC ou que tenha um filho com essa deficiência. Já vi duas amigas que trabalhavam em reabilitação terem tal atitude, no primeiro caso quanto a um rapaz que frequentou uma instituição da área, no segundo em relação à filha de uma pessoa de quem não gostava. Creio que não eram mentiras intencionais dessas amigas, e sim distorções na sua percepção causadas pela animosidade com essas pessoas.

Tenho dois amigos muito esclarecidos cujos filhos com PC têm déficit cognitivo, mas que parecem não falar disso de modo algum. Conheço pessoalmente o filho de um deles e o que me chamou a atenção foi a omissão desse aspecto da deficiência, mas só consegui concluir pela existência do déficit no filho do outro amigo analisando seu discurso.

O tipo de situação descrito no primeiro parágrafo é bem comum. Não sei com que frequência ocorrem as atitudes mencionadas no resto deste post.

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Terceiro Salto de Paraquedas

Criado: Terça, 19 Setembro 2017 Escrito por Ronaldo Correia Junior

Fomos a Fortaleza no fim de 2016, principalmente para minha família conhecer Clara. Já que Curitiba não tem paraquedismo, quis aproveitar para dar outro salto de paraquedas lá. Quando começamos a namorar, Silvia pensava em fazer o curso de paraquedismo, mas desistiu após o nascimento de Clara e queria que eu também parasse por causa desta, o que gerou discussões tensas em dezembro. Essa matéria da BBC mostra que o risco desse esporte é o mesmo que andar 400km de carro e provavelmente o estudo citado deve ter se baseado em médias mundiais – caso usasse estatísticas de trânsito brasileiras, tal quilometragem seria bem menor; se também forem considerados nossos índices de criminalidade, no cotidiano corremos riscos tão grandes ou maiores que num salto. Silvia teve “boca de praga” e, duas semanas antes de irmos a Fortaleza, o piloto do avião do salto sumiu – teve de ir resolver um problema pessoal no Rio Grande do Sul.

No início deste mês, fomos a Recife para batizar Clara e resolvi tentar de novo saltar. Na véspera do salto, tive uma diarreia feia – outra praga de Silvia?wink – da qual só me curei ao sair para o aeródromo, acompanhado por um casal de amigos. Foi um dia muito nebuloso, desde que saí de casa olhava para o céu, via as nuvens e achava que não conseguiria saltar. Esperamos seis horas para as nuvens abrirem e porque havia outras pessoas na minha frente – uma destas sofreu uma tentativa de assalto com uma faca colocada no seu pescoço horas antes, o que exemplifica o que digitei acima sobre riscos. O cinegrafista ficou impressionado com minha calma durante a ascensão do avião, ignorando que o pior momento para mim é o de sair deste – nessa hora pensei “ai, meu Deus, para que fui inventar isso?!”. No fim, acabei vencendo todos os obstáculos e tendo mais uma experiência emocionante e intensa.

E para horror de Silvia, quero que Clara salte de paraquedas!